Uma proposta de emenda
constitucional (PEC) aprovada nesta terça-feira, 15, em comissão especial na
Câmara dos Deputados permitirá ao governo retirar os gastos com precatórios
(dívidas judiciais da União) do limite de despesas do arcabouço fiscal.
A medida prevê que essas despesas
voltarão a ser computadas na meta fiscal em 2027 a uma velocidade de 10% ao ano
- o que pode retardar em dez anos a incorporação total desses gastos
bilionários no resultado das contas públicas.
O texto ainda precisa ser votado
no plenário da Câmara. A iniciativa dá saída a uma incerteza em relação ao
Orçamento de 2027, uma vez que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de
2023 previa que todo o pagamento deveria ser inserido na contabilidade oficial
em 2027 - atualmente, parte é paga dentro das regras fiscais e parte fica fora.
Como se trata de uma despesa
estimada em cerca de R$ 125 bilhões pelo governo, especialistas em contas
públicas avaliavam que ela acabaria comprimindo todos os demais gastos,
inviabilizando o funcionamento da máquina pública. Ou seja, haveria a
necessidade de uma solução pelo governo.
A relatoria da PEC 66, como foi
numerada, foi entregue ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP), presidente do partido
da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, responsável pela
elaboração da peça orçamentária.
Além da velocidade mais lenta
para a incorporação dos precatórios federais, a PEC também institui limite para
o pagamento de precatórios pelos municípios e abre novo prazo de parcelamento
de débitos dos municípios com seus regimes próprios de Previdência Social e com
o Regime Geral de Previdência Social
Os gastos com precatórios também
ficarão de fora do limite do teto de gastos do arcabouço fiscal - esse limite é
reajustado anualmente ao limite de até 2,5% ao ano acima da inflação - já a
partir de 2026. Eles não voltarão mais a ser computados no teto de gastos.
Com essa retirada, a PEC prevê
que a base de cálculo do teto seja recalculada, levando-se em conta o valor sem
os precatórios em 2025 e corrigindo só a partir daí. Isso, por si só, não
abrirá espaço para novos gastos do governo em 2026, na visão de Felipe Salto,
economista-chefe da Warren Investimentos.
"Em princípio, tais mudanças
não implicam aumento do espaço fiscal em relação à situação atual estabelecida
pelo STF em 2023 Hoje, os precatórios excedentes ao subteto são excluídos do
limite de despesas do Novo Arcabouço Fiscal. Com a mudança proposta, todos os
precatórios serão subtraídos, mas o limite de despesas será reduzido no valor
do subteto", escreveu, em relatório distribuído a clientes.
Mas, em outro capítulo, o governo
Lula conseguiu, na proposta, um bônus para gastar mais em pleno ano eleitoral.
Baleia Rossi incluiu um dispositivo que permite ao governo incorporar no teto
de gastos de 2026 os R$ 12,4 bilhões adicionais que resultaram do recálculo da
projeção de inflação usada na regra que fixa o limite de gastos.
Tiago Sbardelotto, especialista
em contas públicas da XP Investimentos, afirma que a PEC "antecipa a
solução de um problema que surgiria em 2027 com a reinclusão dos precatórios
dentro do limite de despesas e da meta de resultado primário, o que levaria a
um colapso de ambas as regras", mas diz ver problemas que atrasam o ajuste
das contas públicas.
"Primeiro, (a PEC) permite
que se inclua R$ 12,4 bilhões de créditos adicionais referentes à diferença de
inflação do fim e do meio do ano passado na base do limite (de gastos), algo
que não estava previsto na regra original e que poderia gerar um espaço
adicional para os próximos anos", disse. "Segundo, a incorporação de
10% ao ano do valor de precatórios no cálculo da meta nos parece excessivamente
gradual. Seria melhor uma mudança mais rápida para que a meta reflita de forma
mais fidedigna o esforço fiscal."
O parecer apresentado por Baleia
Rossi foi negociado com o governo e substitui a proposta original do relator,
que previa classificar o principal dos precatórios e Requisições de Pequeno
Valor (RPVs) como despesa primária; e os juros e a correção, como despesa
financeira.
A avaliação interna era de que
essa medida poderia abrir um espaço fiscal bilionário, mas comprometeria a
transparência.
Na avaliação de integrantes da
equipe econômica, essa nova regra proposta na PEC impõe um desafio adicional ao
estrear justamente em 2026, ano em que ainda haveria o "waiver"
concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para os precatórios, o que reduz
o espaço fiscal disponível e justifica a necessidade de incorporar os créditos
no limite.
O governo também conseguiu
emplacar no parecer uma redução do teto para classificação de pagamentos como
RPV, que caiu de 60 para 40 salários mínimos. Essa mudança amplia o montante a
ser pago via precatórios e reduz o valor destinado às RPVs.
Segundo técnicos da equipe
econômica, isso gera um alívio momentâneo nas contas públicas, já que o prazo
de pagamento das RPVs é de 60 dias.
De acordo com o economista Marcos
Mendes, diante da incapacidade do governo de promover um ajuste fiscal, a
solução adotada para os precatórios na PEC representa uma alternativa menos
prejudicial do que a manobra contábil de classificá-los como despesa
financeira.
Isso porque, segundo o
economista, evita distorções no registro contábil desses pagamentos e oferece
uma saída gradual para a questão dos precatórios, incorporando-os
paulatinamente ao resultado oficial e forçando o governo a se ajustar à medida
que os recursos vão voltando para a conta. "E não há uma ação oportunista
de aumentar o teto a pretexto de resolver a questão dos precatórios",
emendou.
O parecer também inclui uma
mudança que antecipa o prazo de apresentação, pelo Poder Judiciário ao Poder
Executivo, do montante total dos débitos decorrentes de precatórios, permitindo
que o governo federal tenha essa informação antes do envio do Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias ao Legislativo.
Segundo Mendes, essa medida
aprimora o planejamento ao permitir maior precisão sobre o valor a ser pago em
precatórios. Haverá um pequeno benefício para quem entrar em 2027, já que os
precatórios daquele ano vão cobrir apenas o período de abril de 2025 a janeiro
de 2026, ou seja, menos de um ano de acumulação. No entanto, esse efeito se
ajusta a partir de 2028, segundo ele.
Fonte: Folha de Pernambuco.